quarta-feira, 20 de junho de 2012

Vasco da Gama de Miguel Torga


Somos nós que fazemos o destino.
Chegar à Índia ou não
É um íntimo desejo da vontade.
Os fados a favor
E a desfavor,
São argumentos da posteridade.

O próprio génio pode estar ausente
Da façanha
Basta que nos momentos de terror,
Persistente,
O ânimo enfrente
A fúria de qualquer Adamastor.

O renome é o salário do triunfo.
O que é preciso, pois, é triunfar.
Nunca meia viagem consentida!
Nunca meia medida  
Do vinho que nos há-de embriagar!

2 comentários:

Debra disse...

O nosso destino é construído
a cada passo que damos,
com as investidas que fazemos.
Não temamos a mudança,
apenas a resignação.
Não desejemos a mais vã esperança
de termos dito à luta que não.

A cada Adamastor que surgir
sentiremos força atroz
de quem nunca desistiu
de quem sempre acreditou
que o sonho move cada um de nós!

Anónimo disse...

O MOSTRENGO

O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,

E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:

«El-Rei D. João Segundo!»
«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,

Três vezes rodou imundo e grosso.
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»

E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,

E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme

E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»

Fernando Pessoa